25 de fevereiro de 2024

HÁ DIAS ASSIM


 Há dias assim, e muitos foram,

em que a raiva corria nas veias 


Há dias assim, e tantos se repetiram,

em que as lágrimas jorravam sem esteios


Há dias assim, e tanto se prolongaram,

em que o medo tolhia as ideias


Há dias assim, e tanto se demoraram 

em que apenas se ouvia o eco do silêncio


Mas também há dias assim

que nascem iluminados

que se levantam e se revoltam

que abrem portas tanto tempo cerradas

que dão lugar ao rumor das palavras libertadas

que se vestem de cravo vermelho e fazem da cidade um jardim


Sim! Há dias assim

em que o tempo deixa de contar

e se transformam num poema com tempo e com vagar


18 de fevereiro de 2024

UM TRIO PECULIAR

 


Num jardim, jaziam esquecidos um regador metálico, apaixonado pelas elegantes roseiras, um pedaço de madeira, marcado por cicatrizes de aventuras passadas, e um charuto queimado, saudoso do seu fumo adocicado.

Cansado da inércia, este trio peculiar uniu-se para criar uma instalação artística e chamar a atenção.

O regador suportou a tábua, transformada em tela, à qual o charuto ofereceu novas texturas. Nela colaram-se folhas soltas, arrastadas pelo vento.

Já não eram inúteis. Eram, agora, arte no jardim.

 

11 de fevereiro de 2024

VISITA INSÓLITA

Maria Coruja lembra-se, repentinamente, da sua tia-bruxa, uma figura enigmática e misteriosa que já quase esquecera por não a ver há imenso tempo. Abana a cabeça, para espantar este pensamento, e continua a preparar o caldo de ervas e especiarias cujo aroma se mistura com o cheiro a incenso. Contudo, continua a pensar insistentemente nela. Porquê?

- Olá, querida sobrinha. Espantada?

Não era possível! Tão insólita visita só poderia significar uma reviravolta mágica na sua tão monótona vida!


20 de janeiro de 2024

PARTICIPAÇÃO NA FESTA DO LIVRO DA AJUDARIS

É sempre um prazer colaborar com quem vive a ajudar os outros. Obrigada pela confiança, Ajudaris. O mundo precisa, muito, de gente solidária!

17 de dezembro de 2023

O QUE ACABEI DE LER

O título do livro remete, desde logo, para o célebre poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, “Esta é a madrugada que eu esperava / O dia inicial inteiro e limpo / Onde emergimos da noite e do silêncio /E livres habitamos a substância do tempo”.

E a questão coloca-se: o que tem a ver o Natal (palavra no título) com o poema associado ao 25 de Abril e com a imagem da capa com cravos vermelhos, símbolo da revolução e da liberdade, espetados num pinheiro de Natal?

A curiosidade do leitor rapidamente é sossegada pela narradora que, logo no início da narração, dá a resposta: O Natal aproxima-se e o seu avô não sabe o que é o Natal. O seu avô está duplamente esquecido (de si próprio e pelos outros). Tão esquecido, que responde, quando lhe perguntam quem é, “Ninguém”, como o Romeiro do Frei Luís de Sousa.

Quando o avô decide falar, a neta ouve-o falar de um Natal passado há 50 anos. Um Natal “inteiro e limpo”, em que as pessoas vieram para a rua. Soldados e mulheres. E flores. “O povo na rua, a guerra no fim, o dia de festa”.

Sim! Era Natal nesse dia porque homens e mulheres puderam estar juntos, a guerra tinha acabado, havia países novos, os militares não dispararam.

Era Natal!


28 de agosto de 2023

O QUE ACABEI DE LER

 

A política, o pós 25 de abril, os retornados, a amizade, o divórcio, as frustrações amorosas, a adoção de animais, o abate de animais para alimentação, a sociedade de consumo e o inevitável desperdício, a escola, as escolhas, está tudo neste livro. Tudo posto a nu, sem subtilezas, sem rodeios, sem preconceitos.

O narrador é uma personagem fantástica pelas escolhas de vida que fez, por assumir estar contra tudo o que para os outros é normal e por ter coragem de ir contra todas as opiniões. A sua suposta solidão junta-se a outra solidão, a da estranha vizinha que coleciona caixotes de tralha catalogada e fotos que não revela.

Uma narrativa com tempos alternados, histórias de vidas cruzadas, intercaladas, intrincadas. Um romance com muitas histórias dentro, cada uma mais intrigante do que a outra. Em torno das histórias do José, giram as histórias das personagens que fazem parte da sua vida: as histórias da mãe, do pai, da avó, da Cátia, da vizinha, dos retornados, dos cães.

 "Que resultados obtemos quando se juntam duas solidões?"

Neste caso, solidão + solidão = partilha, apoio, confiança, diálogo. Porque “precisamos de alguém com quem falar.”

Seja uma pessoa, seja um cão no meio do caminho, "Ninguém entra na nossa vida por acaso."

Depois de ter lido  A gorda e, agora, Um cão no meio do caminho, Isabela Figueiredo está, definitivamente, na lista das minhas preferências.

23 de agosto de 2023

NÃO ERA UMA SOLUÇÃO PLANEADA


Pobre gaivota!

Tão perdida, abandonada.

Dificilmente resistiria sem ajuda.

A solidão acentuava-lhe o sofrimento.

Desorientada, em equilíbrio instável, grasnava aflita.

Ficou ali, quieta, asa ferida, voo impedido.

Especada no alto da falésia, procurava o bando.

Na forte ventania que soprou repentinamente, vislumbrou a oportunidade.

Agarrar-se-ia desesperadamente a algo que a salvasse, então decidiu arriscar.

Partiu nas asas do vento, deixou-se baloiçar, esqueceu a dor, relaxou.

Não era uma solução planeada, apenas um acontecimento inesperado, mas talvez funcionasse.



19 de agosto de 2023

SESSÃO DE AUTÓGRAFOS NA FEIRA DO LIVRO DO PORTO

 


É já no próximo dia 10 de setembro, pelas 17 horas.

AREIAS NA ENGRENAGEM

Enquanto mirava a linha do horizonte, pensava no que fazer.

Quando ele a fixava com o seu olhar azul, era como uma brisa num dia quente de verão e ela cedia. Mal abria a boca, as palavras saíam-lhe amargas como limão. Rapidamente se tornava um caldinho sem sal, sem qualquer atrativo (nestas alturas, o azul dos olhos desmaiava). Não havia motivo para manter a relação, mas adiava, adiava.

Como retirar estas areias da engrenagem da sua vida?


18 de agosto de 2023

AGOSTO


 Adoro agosto. Ele traz calor, praia, banhos de mar, férias, descanso. E é o mês do meu aniversário. Se, por um lado, em cada agosto, vou avançando na velhice, por outro lado, é sempre a oportunidade de celebrar mais um ano de vida. E é com muito gosto que eu entro em agosto. O único mês em que paro para fazer o que gosto e o que me apetece, impossível de fazer nos outros meses de trabalho. Contudo, começo a ter medo do mês de agosto. 

Em agosto de 2022, sabes o que fizeste, Hélio? Pregaste-nos uma partida e partiste. Sem aviso prévio. Sem que ninguém esperasse. Apanhaste-nos desprevenidos!

Em agosto de 2023, foste tu, Carlos Jorge! Foi a tua vez de nos pregares a partida e de partires também sem aviso prévio. Foi combinado entre vós?!!! Vós voltastes à infância e pregais partidas à família? Com 57 e 55 anos, respetivamente, é cedo para a partida, mas tarde para partidas de mau gosto. 

E agora tenho medo. Medo do agosto que adoro. Medo de voltar a ter surpresas que ninguém deseja e que nos fazem sofrer!